quinta-feira, 15 de maio de 2014

Água da Rua: Um projeto de arte pública para descobrir a rede subterrânea que conecta a cidade aos rios

AUTOR:

Rachel de Sousa Vianna - InSEA.

RESUMO:

Partindo da idéia da arte como experiência que permite uma ressignificação dos espaços e dos hábitos do cotidiano, o projeto Água da Rua reuniu estudantes, trabalhadores, comerciantes, empresários, famílias e amigos do Bairro Santo Antônio em uma série de atividades voltadas para descobrir, ou re-descobrir, a rede subterrânea que conecta a cidade aos rios. Em um sentido mais amplo, o projeto buscou construir, coletivamente, uma consciência dos elos que unem cada um de nós, habitantes da cidade, uns aos outros e ao planeta.
Em Belo Horizonte, como na maior parte das grandes cidades brasileiras, os vestígios do sítio natural foram apagados: nascentes, cursos d’água, várzeas, vegetação nativa, morros  – tudo foi sendo coberto por camadas de asfalto e edificações, produzindo um ambiente uniforme, aparentemente independente dos recursos naturais. Para as gerações que nasceram e cresceram nas cidades, pode parecer que a água limpa brota das torneiras e a água suja simplesmente desaparece quando entra pelo ralo. De que rio vem e para qual rio vai a água que usamos no dia-a-dia? Quantos quilômetros ela percorre até chegar à nossa casa? Por quais caminhos ela passa? O projeto buscou suscitar este tipo de reflexão, levando as pessoas a se darem conta da relação intrínseca entre espaço urbano e natural.
Vários aspectos do projeto Água da Rua – intervenção urbana, participação ativa da população, engajamento em questões ambientais, combinação de referências da tradição popular e da arte de vanguarda – o caracterizam como uma manifestação de arte pública. A proposta cabe bem na definição de Maria Lúcia Montes (1998, p.278), para quem a arte pública “ressacraliza a relação do homem como seu meio-ambiente, fazendo-o descobrir, sob a cidade edificada, a sacralidade arcaica da natureza.” Também se aproxima do que Teixeira Coelho (2000, s/p) chama de “autêntica arte pública, a arte que, instalando-se num espaço não privado, transforma-o em espaço público, espaço da aproximação, do entrelaçamento, da solidariedade, espaço da construção dos laços éticos.”
Com início em novembro de 2010 e término em julho de 2011, o projeto desenvolveu um leque diversificado de atividades: oficinas de arte e de educação ambiental; pintura de muros, passeios e ruas; lançamento de blog; distribuição de adesivos, postais e cartazes informativos; cortejo festivo pelas ruas do bairro. Todas as ações foram pensadas como formas poéticas de sensibilizar e promover o conhecimento sobre o papel fundamental dos rios na sobrevivência da cidade.
Uma iniciativa do Coletivo Santo Antônio, um grupo independente de amigos que atuam na área cultural, o Água da Rua foi realizado em parceria com a COPASA, Companhia de Água e Saneamento Básico de Minas Gerais. Quatro escolas públicas, a associação do bairro, estabelecimentos comerciais localizados no Santo Antônio, órgãos públicos e vários movimentos e organizações ambientalistas se envolveram na proposta. É difícil estimar o número total de participantes e o alcance das suas ações, mas passados mais de dois anos do término do projeto, suas perguntas continuam reverberando. Passando pelas ruas Carangola e Leopoldina, ainda se lê: de que rio vem a água que você bebe?

REFERÊNCIAS:
  • Montes, M.L. (1998). Arte pública e cultura brasileira. In: Arte Pública. São Paulo: Sesc.
  • Teixeira Coelho, J.R. (2000, setembro). Cultura e Arte: Da política cultural à cultura política: O lugar da arte pública. Anais da Conferencia Iberoamericana de Ministros de Cultura. Ciudad de Panamá, Panamá.  Recuperado em  20 de abril, 2010, de  http://www.oei.es/teixeira.htm.

2 comentários:

  1. Rachel, você situaria este projeto dentro de arte educação ativista? Ou só dentro de arte educação e educação para a cidadania?

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  2. Teresa, obrigada pela pergunta, me fez procurar uma definição de “arte educação ativista”. Encontrei o texto excelente de Sissa de Assis, “Por uma arte-educação ativista: contra a neutralidade e o vazio do ser” (disponível em ). Na perspectiva apresentada por essa autora, penso que sim, o projeto Água da Rua se insere dentro da arte educação ativista. Nesse caso, a postura “político-crítica dos educadores”, defendida por Assis, envolve não só a dimensão da responsabilidade social intrínseca ao tema da água e dos recursos naturais, como também uma discussão do campo acadêmico. Explico. Na introdução do texto apresentado para as atas do congresso, discuto se o projeto poderia se enquadrar no conceito de “arte pública contemporânea” e cito trabalhos de artistas e teóricos que serviram de inspiração e referência para a proposta. Daí surge a dúvida sobre o tipo de chancela necessário para um trabalho ser classificado como “arte pública”. No contexto brasileiro, a questão é importante porque projetos de arte são avaliados dentro do sistema “qualis”, definido pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior) e rendem boa pontuação aos programas de pós-graduação em arte e, por extensão, aos seus autores. Já os projetos educativos são considerados “técnicos”, sem direito a um sistema de avaliação específico e com pontuação mínima. Questionar esses critérios e colocar o lugar educação no campo da arte como tema a ser debatido no âmbito da academia é outra frente política que cabe dentro da “arte educação ativista”. Seguimos conversando. Abraços, Rachel.

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